O lactato, há muito considerado um mero subproduto do metabolismo anaeróbico e um prenúncio da fadiga muscular, é cada vez mais reconhecido como uma molécula de sinalização vital e um substrato energético versátil. Pesquisas recentes iluminaram seu papel dinâmico na comunicação inter-órgãos e no processamento de carboidratos pós-prandial (após a refeição), desafiando os paradigmas fisiológicos tradicionais. Este artigo explora dois conceitos-chave que ressaltam a importância do lactato: a Teoria do Transporte de Lactato e a Hipótese do Transporte de Lactato Pós-Prandial.
A Teoria do Transporte de Lactato: Uma Mudança de Paradigma na Transferência de Energia Celular
A Teoria do Transporte de Lactato propõe que o lactato não é apenas um resíduo metabólico, mas um mediador crucial da transferência de energia e da comunicação tanto dentro das células (intracelularmente) quanto entre diferentes células e tecidos (intercelularmente).
1. Transporte Intracelular de Lactato: Dentro de uma única célula, o lactato produzido no citoplasma (por exemplo, durante a glicólise) pode ser transportado para dentro da mitocôndria. Aqui, ele é convertido de volta em piruvato pela lactato desidrogenase mitocondrial (mLDH) e, subsequentemente, entra no ciclo de Krebs para oxidação completa, gerando ATP. Este "transporte intracelular" permite o uso eficiente do lactato como fonte de energia dentro da mesma célula que o produziu.
2. Transporte Intercelular de Lactato: Este aspecto da teoria descreve o movimento do lactato entre diferentes tipos de células ou órgãos. Células com altas taxas glicolíticas (por exemplo, fibras musculares de contração rápida, glóbulos vermelhos, algumas células cancerosas) produzem quantidades significativas de lactato. Este lactato pode então ser liberado na corrente sanguínea e captado por outras células (por exemplo, fibras musculares oxidativas, coração, cérebro, fígado) que têm uma maior capacidade oxidativa. Essas células "consumidoras" utilizam o lactato como uma fonte de combustível preferencial, especialmente durante períodos de alta demanda de energia. Os transportadores de monocarboxilato (MCTs) desempenham um papel fundamental na facilitação desse movimento através das membranas celulares.
A Teoria do Transporte de Lactato redefine o lactato como uma molécula de sinalização fundamental, orquestrando a harmonia metabólica em vários tecidos e órgãos, em vez de simplesmente um beco sem saída metabólico.
A Hipótese do Transporte de Lactato Pós-Prandial (TLPP): Uma Nova Visão do Metabolismo de Carboidratos
Enquanto a Teoria do Transporte de Lactato se concentra nos papéis gerais do lactato, a Hipótese do Transporte de Lactato Pós-Prandial (TLPP) aborda especificamente como os carboidratos da dieta são processados após uma refeição. Esta hipótese oferece uma nova perspectiva sobre o metabolismo da glicose, particularmente no fígado.
Tradicionalmente, acreditava-se que, após refeições ricas em carboidratos, a glicose absorvida viaja diretamente para o fígado através da veia porta, onde é usada para obter energia ou armazenada como glicogênio. A Hipótese do TLPP, no entanto, sugere uma via mais matizada:
1. Produção Intestinal de Lactato: De acordo com a Hipótese do TLPP, uma porção significativa da glicose dietética é primeiro metabolizada em lactato dentro das células intestinais (enterócitos) após a absorção. Este processo, conhecido como "glicólise aeróbica" ou o "efeito Warburg" no intestino, pode servir para proteger o fígado da exposição excessiva à glicose e contribuir para a homeostase energética intestinal.
2. Captação Hepática de Lactato e Glicogenese: O lactato produzido no intestino é então liberado na circulação portal e captado preferencialmente pelo fígado. No fígado, este lactato serve como um substrato primário para a gliconeogênese (produção de glicose) ou, mais importante neste contexto, para a síntese de glicogênio (glicogenese). Isso significa que uma quantidade substancial de glicogênio hepático pode ser sintetizada a partir do lactato, em vez de diretamente da glicose.
Implicações: A Hipótese do TLPP desafia a compreensão convencional da conversão direta de glicose em glicogênio no fígado. Ela sugere uma via indireta onde o intestino atua como um filtro metabólico inicial, convertendo a glicose em lactato, que então se torna um precursor chave para o glicogênio hepático. Isso pode ter implicações significativas para a compreensão de distúrbios metabólicos, como o diabetes tipo 2, e para a otimização de estratégias dietéticas.
Em conclusão, tanto a Teoria do Transporte de Lactato quanto a Hipótese do Transporte de Lactato Pós-Prandial ressaltam o papel multifacetado e crucial do lactato na fisiologia humana. Elas pintam um quadro do lactato não como um vilão metabólico, mas como um intermediário dinâmico que facilita a distribuição de energia, a comunicação inter-órgãos e a utilização eficiente de carboidratos, revolucionando nossa compreensão da regulação metabólica.
Aqui está uma imagem resumindo os conceitos:


